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quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

††† Uma duzia de rosas vermelhas, querida!

 

Numa lápide do cemitério,
Deixaram envoltas em fitas,
Uma dúzia de rosas vermelhas.
A foto era amarela e antiga,
Inscrição apagada,descolorida.
Provavelmente uma namorada,
Um amor que se foi...

Eu nunca ganhei rosas vermelhas.
Como invejei aquela morta,
Que mesmo estando deteriorando,
Se fazia desejada, amada, lembrada
E eu aqui mofando...em vida!
Uma alma fúnebre que respira
E nunca ganhou rosas...

Peguei as fitas e joguei,
Uma a uma, no túmulo ao lado.
Cada botão de rosa que eu tocava,
Morria, murchava, condenado
A ser um morto-vivo despeitado,
Como meu coração ali se mostrava,
Um mero órgão desapaixonado...

E a foto da inscrição apagada,
Verteu duas lágrimas caladas,
Longe da percepção humanamente sentida.
Chorou por ter em morte gesto tão pleno de vida:
__Uma dúzia de rosas vermelhas querida!
E nem percebeu que haviam lhe roubado,
Nem as flores, nem as fitas...

Disso aprendi que o que vale
Não são as rosas que por ventura receba,
Mas o amor que por certo distribua,
Que faça, mesmo em morte, ser lembrada,
Mesmo depois de deteriorada,
Continuar a ser desejada e querida.
Isso é só para os que foram plenos em vida!


Cilada†

O copo cintilava em cima da pia. Veneno de rato dissolvido em suco de laranja. Que idiotice! Que importava o gosto? Eu ia morrer mesmo. O telefone me tirou dos pensamentos.Guardei o copo rapidamente no armário.
-Alô. Querida? Fui promovido!Vamos comemorar... Era Roberto, meu marido.
Conversei com naturalidade, não podia decepcioná-lo, em seguida, desliguei. Ia preparar um jantar de comemoração. O suicídio ia ficar para amanhã.
Desde que descobri que tinha Aids minha vida virou um inferno.Não podia ser um transtorno para a família. Roberto era um marido exemplar, meu filho Douglas, uma criança adorável e meu pai, o velho Alfredo, homem íntegro e amigo. Novamente o telefone.
-Alô.Dona Sonia Rebelo?
-Sim, eu mesma.Quem fala?
-Aqui é do laboratório Brasil. A senhora fez um exame de sangue há três dias. Os resultados foram trocados por um funcionário inexperiente. A senhora não está doente. Seu exame deu negativo.
Não escutei mais nada. Eu não ia morrer! Deus! Foi Deus que tirou aquele copo de minhas mãos.
Fiz um jantar inesquecível.Filé a milanesa como Douglas gostava.Arroz de forno, batatas grelhadas, vinho tinto e musica romântica.Eram 23 horas quando finalmente eu e Roberto ficamos a sós.Olhares cúmplices, atrevidos, correria, nosso joguinho começara. Pega-pega, roupas pelos cantos, gemidos.Parecia a melhor de todas as noites. Nossa melhor performance!
Amanheceu! Era domingo e o relógio batia dez badaladas. Olhei para o lado, Roberto já tinha levantado. Vesti o roupão branco e fui até a cozinha.
-Bom dia amor. Dormiu bem? Ele me deu seu melhor sorriso.
Meus três amores sentados à mesa do café.
-Olá papai, que bom vê-lo. Querido, por que não me acordou? Eu faria o café de vocês.
-Nada disso. Fizemos um bolo de chocolate. Venha, experimente. Está delicioso.
-Mamãe. Eu arrumei a mesa. É a toalha que você gosta.
-Senta filha, antes que o café esfrie.
Os copos limpos no armário.O armário...aberto. O copo. Deus! O copo de veneno em cima da mesa... Um restinho de líquido amarelo... Quase vazio... Vazio...



Aquilo†

Que sentimento é esse que faz uma mulher abandonar marido, filho e uma casa luxuosa para viver num porão sujo e coberto de mofo, com uma pessoa insana, consumida pelo ciúme a paixão lasciva?
Eram duas horas da tarde. Havia cheiro de sexo pelo cômodo, uma panela de caldo de galinha no fogão e duas maçãs na fruteira sobre a mesa.
-Ana...Você está arrependida não é?
-Não.
-Quer me convencer de que não sente saudades do luxo, das jóias, das atenções do seu marido?
-Eu sinto falta de meu filho...
-Podemos buscá-lo.
-Não. Está melhor lá.
-Eu amo você.
-Eu também te amo.
-Sempre vai amar?
-Sempre.
-Não minta. Em breve vai acordar e fugir daqui.
-Acha que para mim é um sonho?
-Não é?
-Nunca sonhei com um porão fedido, tampouco com restos de frutas que doam na feira, com caldo de galinha quando o estômago clama por um bom arroz e feijão...
-Eu não disse...Reclama.
-Eu sonhei com um homem que me amasse acima de todas as coisas, que seu cheiro provocasse em mim essa febre que não cessa, que seu toque me levasse ao céu em um segundo, que me completasse, que comesse comigo um pedaço de fruta podre e me beijasse depois com sabor de morangos silvestres, que eu amasse a ponto de não ver seus defeitos e se insano fosse, para mim um ser perfeitamente apaixonado, alucinadamente amoroso, ciumento para o mundo, cuidando do que é seu para mim, e nas vezes que perdesse o controle e me batesse por fantasias loucas de um transtornado que imagina o ser amado em traição, eu sentisse apenas amor, carinho, dedicação, como uma amada cuidando de seu parceiro no leito, pois ciumes também é doença como qualquer constipação...
-Você é louca...
-Somos os dois...
-Até quando?
-Não sei...Quanto tempo durou seu amor anterior?
-Não me lembro.
-Dois meses?
-Até o dia que pensei tê-la visto com outro e a esfaqueei...
-Com requintes de crueldade...
-Sim...Cortei os dedos, os olhos, o clitóris, os bicos dos seios...Tem medo que aconteça com você?
-Não. Eu o amo. Mas quero que me prometa uma coisa...
-Diga...
-Se acontecer...Tire o coração primeiro.
-Por que o coração?
-Por que o simples fato de saber que vou morrer e ficar longe de você fará com que doa bem mais que todas as facadas que eu leve.
-E que faço eu depois que estiver morta?
-Que fez da outra vez?
-Fugi...Mas foi diferente. Ela nunca me amou. Era uma simples prisioneira.
-Eu sei, você me contou...A roubou numa cidade vizinha.
-Sim.
-Então que quer fazer depois que eu morrer?
-Transar...
-Ora, transe então...
-Mas você estando morta não vai poder fazer aquilo...
-É mesmo...Nossa, criou-se um problema agora.
-Eu não sei mais transar se não fizer aquilo...
-Você gosta?
-ADORO!
-Então nunca me mate...
-Não mato. Mas você tem que me prometer algo...
-Diga.
-Nunca vai morrer...Eu não saberia viver sem aquilo.
-Morrer de morte morrida? De doença?
-Sim.
-Mas como posso prometer uma coisa dessas?
-Não sei porra! PROMETA!
-E se eu fico doente e pego uma pneumonia...
-Não morra! PROMETA!
-Eu...
-Prometa ou TE MATO!
-E vai ficar sem aquilo?
-NÃO!!!!!
-Ok...Prometo nunca mais falar de morte. Se não falamos não atraímos ok?
-OK
-Está tudo bem agora?
-Não...
-Não? O que quer mais?
-Aquilo...hehehe....



A Moça do Velório†

Morri.
Não digo que isso tirou o meu sossego. Tampouco lamentei por não mais poder trepar, meu esporte predileto em vida. Alguma compensação teria do outro lado, uma vez que estava pensando, mesmo depois de morto. Quem sabe uma transa sensorial e o escambau...Contanto que eu gozasse, o tipo de foda é o que menos contaria.
Mas estava ali, parado, no canto da sala sem vontade se subir. Ou descer...Enfim.
Era o meu velório. Devia ser norma, eu só poderia sair para meu novo lar depois das homenagens.
Quando a puta da Ritinha entrou confesso que a rigidez de um corpo morto no caixão foi desculpa para o volume do pau que se formou. Eita mulher gostosa! E como sabia chupar, uma profissional.
Antes de sair da sala, após uma reza em silêncio, tocou minhas mãos como a benzer para fazer o sinal da cruz...Olhou para os lados e tocou de leve meu caralho.
Que coisa triste! Tocou meu caralho! E eu não senti nada. Morrer era broxante...
Mario, meu melhor amigo, entrou e num ímpeto, rompeu num convulsivo choro. Vieram amigos, vizinhos e a própria Ritinha. Estavam estarrecidos com o sofrimento do pobre.
Menos cara! Pelo amor de Deus! Tu é viado? Será que me enganaste esse tempo todo?
Que não vão dizer de mim?
Teve até desmaio..Ai tem! Miserável! E todas as vezes que tomamos banho no vestiário depois de uma partida de futebol. No mínimo tocou umas, afinal, bem dotado eu reconheço que sou...Ou era.
Antes de Mario sair da sala me tascou uma beijo na bochecha. Eca! Não dava para resistir, abri meus olhos...
-LUIZ...
_Calma, isso é normal. Disse uma das carolas rezadeiras fechando minhas pálpebras com aquelas mãos enrugadas cheirando a alho. É um reflexo apenas.
Foi quando Aninha entrou na sala. Uma deusa nos seus dezoito aninhos, seios durinhos e bundinha empinada...Sempre fui tarado por ela. Planejava desvirgina-la em breve. Mas não me olhem com essa cara de surpresa, não sou pedófilo, apenas um eterno apaixonado que soube esperar. Eu tinha adoração pela moça desde que tinha quatorze anos.
Ela chegou perto do caixão e, com uma mão acariciou meu braço. Enquanto escorria uma lágrima eu percebi, discretamente, com a outra mão levantou a saia e seus dedinhos tocavam a bucetinha.
Ah! Aí já era demais! Maldita hora que fiz aquela ultrapassagem! Eu podia estar comendo esse corpinho...Não é possível.
Num ímpeto a moça fechou os olhos e enquanto todos os presentes supunham estar chorando, percebi um leve gemido e tremor, ela gozava em silêncio.
_Por Lúcifer! Isso está acima das minhas forças. Meu corpo está sentindo. Céus! Meu pau esta duro, eu sinto.
De repente fui tragado e meu corpo astral penetrou nas vísceras do defunto no caixão.
Me recuso a sair. Quero gozar uma última vez.
_Eita tesão desgraçado! Sentei no caixão e a gritaria foi geral.
Nem preciso dizer quão grotesco foi a situação. Era um corpo acidentado. Olhos vermelhos, rosto arroxeado, faixas e gazes por todo o lado. A menina desmaiou e os presentes, um a um, saíram em disparada. Nem catalepsia seria possível pois o sangue já não habitava minhas veias.
Meia hora depois o delegado e meia dúzia de soldados voltavam à funerária para averiguar o ocorrido.
O corpo no caixão estava nu, com marcas de mordidas pelo peito e o pau, coitado, caído entre gosmas que pareciam saliva. No chão resíduos de esperma e sangue e a saia da moça.
Procuraram-na em vão. Ninguém mais soube dela. Só especulações. Alguns dizem que foi a última refeição do morto. Outros que foi para outra dimensão esperar pelo amante que a desvirginou, eu né,rs
O fato é que a partir daquele dia, todo velório de homem na cidade, a certa altura a luz se apagava e o morto aparecia nu.
Ah, e com um sorriso enorme na cara.



Alvo†

Eu andava pela rua, rumo ao colégio. Seis horas da tarde. Um mendigo sentado na calçada, rasgado, sujo, olhos vermelhos e barba branca. Parecia ter uns 70 anos de idade. Coitado! Vida dura. Poderia ser meu pai. Que eu podia fazer? Uma adolescente duranga.
-Boa noite. Dei o meu melhor sorriso e segui meu caminho.
Uma voz gritou: -Cuidado!!!
O tijolo vôou e acertou minha cabeça. Acordei com um enfermeiro ao lado e o velho numa camisa de força.



João da Capa†

No Ano de 1953, no norte de Minas Gerais, em meados de Novembro, numa pacata cidadezinha chamada Porteirinha, aconteceu um fato curioso, para não dizer assombroso. Fato esse que vou narrar, mas, por favor, que os mais impressionáveis, não leiam.
Contam que, dentre os fazendeiros da região, havia um rico e abastado apelidado de “João da Capa”. Recebeu esse apelido por usar uma capa preta que arrastava no chão, a qual só tirava mesmo pra dormir.
Sua esposa, mulher dedicada, adorava jóia. Incansavelmente exibia colares, tiaras, anéis de rubis, chaveiros etc. Mas tinha um anel, solitário, uma super pedra de diamante. Esse ela não tirava nem para dormir.
Um dia, acometida de uma pneumonia, Dona “Esmeralda”, esse era o seu nome, veio a falecer. Não, sem antes, fazer seu marido, João da Capa, prometer que seria enterrada com seu anel preferido.
O enterro foi pomposo, muitas flores, homenagens dignas até, de uma autoridade. A banda da prefeitura acompanhou o cortejo e todos pareciam compadecidos com o sofrimento do marido.
Logo mais à noite, João da Capa foi visto de canto em canto, com uma garrafa de aguardente na mão num sofrimento de dar dó.
Os dias se passavam e sem se conformar João da capa cada vez mais era visto bêbado, delirando. “Descanse em paz Esmeralda”, “Deixe-me em paz Esmeralda”. Ninguém sabia ao certo o motivo das frases alucinadas.
Os amigos decidiram investigar e começaram a seguir os passos de João da Capa. A fazenda antes próspera e bem cuidada, agora abandonada, pois o coitado nunca mais lá voltara, estava às escuras. Na porteira uma mulher de branco, véu no rosto, de longe parecia muito com Dona Esmeralda. Zé Vitor, Joaquim e Alfredo, os amigos que investigavam o caso, pararam a alguns metros da fazenda. Os olhos arregalados, coração batendo em disparada:
__ Céus! É dona Esmeralda!
Constataram, apavorados, o motivo do abandono da fazenda. O fantasma da mulher agarrado a porteira gemia e gritava:
__ Devolva meu anel! Quero-o de volta ou nunca mais te deixarei em paz!
Deram meia volta e não olharam para trás!
Aí tudo ficou esclarecido.
João da Capa, largado no banco da praça, com muito custo, respondia às indagações dos amigos.
Disse que achou um desperdício enterrar a mulher com uma jóia tão cara e que antes de fechar o caixão, fez a besteira, tirou o anel. Agora não tinha mais a coragem de levar o “dito cujo” ao cemitério.
Pediu que os amigos o acompanhassem, mas um a um, todos deram uma desculpa. Não queriam se arriscar a uma vingança da falecida.
Eis que, depois de muitos goles, João da Capa se decide:
__ Vou hoje, à meia noite, ao cemitério devolver o anel. Abro um pouquinho o túmulo, jogo para dentro e vou-me embora.
__ Não João! Disse Alfredo.
__ Não vá embora sem rezar para falecida, ela pode cobrar a reza depois.
E lá se foi João da Capa, o relógio da igreja começou a 1ª das 12 badaladas. O silêncio era mortal; só se ouvia o ranger do portão do cemitério e os passos de João, capa arrastando no chão, invadindo os túmulos à procura do de Dona Esmeralda.
Era muito escuro, depois de alguns túmulos errados, eis que avistou o que buscava. Ergueu a tampa, jogou o anel e preparava-se para ir embora quando lembrou do que disse Alfredo:
__ Não sem rezar antes!
Ajoelhou-se então e apoiando os braços no túmulo começou:
 “Ave Maria cheia de graça... Agora e na hora de nossa morte Amem!”.
Pronto, agora com dever cumprido vou embora!
Nisso, ajoelhado, fez menção de levantar, mas, “Deus”, sentiu que era puxado de volta ao chão!
__ Alguém está me puxando! Suava frio!
Novamente tentava erguer-se e era como se alguém o puxasse para baixo. __ “Esmeralda de Deus”, perdoe-me, deixe-me ir embora.
Ele sentia como se alguém o puxasse para dentro do túmulo!
Seu coração explodia, o suor escorria, as pernas bambas, não deu noutra, o coitado teve um infarte fulminante e faleceu ali mesmo! Pobre João da Capa havia ficado tão nervoso, não percebeu que era a própria capa que enroscava em seus pés e quando se erguia era como se alguém o puxasse de volta ao chão.
Seu enterro foi lindo, cheio de flores, homenagens, etc. Só um fato ninguém sabe explicar.
João da Capa foi encontrado sem sua famosa capa e por isso enterrado sem ela.
Esse fato mudou os hábitos dos moradores de “Porteirinha”. Até hoje, ninguém mais se aproxima da fazenda, pois dizem que é mal assombrada. Assim que o sol se põe toda cidade já dorme. Dizem que têm medo de encontrar João por aí reclamando sua capa. E você, por acaso sabe de algo a respeito da Capa de João? Se estiver com ela, leve até o cemitério quando o relógio da praça soar 12 badaladas. Ah! Só não esqueça de rezar.




Bichinho de estimação†

Essa história aconteceu no outono de 1965, em Bom Repouso, cidade do sul de Minas Gerais. Os moradores, na maioria, se dedicavam ao cultivo de batatas.
Francisco da Silva, “Seu Chico”, homem trabalhador, dedicado pai e marido, progredia a cada dia e já possuía sua casa própria. A esposa, Dona Iolanda, se dividia entre a casa, os três filhos e a plantação da família.Bentinho tinha 17 anos e era mão de obra indispensável para Seu Chico. Rafael 14 anos, aprendia o oficio com grande custo, pois tinha o sonho de ser jogador de futebol. Caio tinha 4 anos e era companheiro fiel da mãe, ainda não tinha idade suficiente para acompanhar os homens na lida. A família possuia alguns animais para o sustento da casa. Criavam galinhas, patos e tinham uma vaquinha. Caio adorava animais e diariamente pedia à mãe para arranjar um cãozinho, ao que a mulher respondia:
_ Deus me livre! Só faltava essa! Além de cuidar de vocês e da criação, agora quer que eu cuide de um cão? Ele soltaria pêlo, furaria as meias e sujaria o quintal...
Mil desculpas, ela sempre arrumava. Não queria nem falar no assunto. Seu Chico não dava palpites, não queria contrariar a esposa. Alguns meses se passaram e um dia, durante o jantar, Dona Iolanda comentou:
_ Chico, nunca mais ouvi o Caio falar do tal cachorro. Será que finalmente ele esqueceu?
_ Ora mulher. Se não é da sua concordância tê um cão, por que Diabo se alembrô disso agora? Quer que ele volte a querer um? Sem demora, a mulher se calou. Caio sentou-se à mesa e perguntou:
_ Mãe? Toda criança precisa de leite pra crescer né? Os bichos também?
_ Claro! Os filhotes mamam na mãe até crescerem. Respondeu Dona Iolanda.
_ E os filhotes que não tem mãe?
_ Ora. Esses contam com a caridade dos homens pra beberem leite. Se não morrem.
_ Quer dizer que devemos ser caridosos com os bichos que achamos sozinhos?
_ Devemos ser caridosos sim. Mas, agora coma, se não a comida esfria.
E no dia seguinte:
_ Um litro de leite cedo, um litro de tarde, outro de noite. Isso é demais. Acho melhor levar o Caio no Doutor. Deve ser doença.
_ Ora mulher. Para de impricá. Se ele num come ocê imprica, se ele come ocê imprica. Nunca tá bom procê?A mulher se calou, envergonhada. No fundo sabia que o marido tinha razão. Pegou o milho e saiu para tratar as galinhas. Não deu dez passos e lembrou que deixara o fogo aceso. Voltou e deparou com Caio saindo às pressas com a jarra de leite nas mãos.
_ Caio! Onde você pensa que vai com esse leite? Lugar de comer é na cozinha. Você sabe que não gosto que coma por aí. As mãos podem estar sujas.
_ Ora mamãe... Eu ia beber lá no jequitibá... ia dar um pouquinho pro meu amiguinho também. Disse o menino todo atrapalhado.
_ Que amigo é esse? Ora, ora, Caio. Eu já disse que não quero cachorro por aqui.
_ Não é cachorro mamãe. Juro por Deus! É um bichinho muito bonito que tá sozinho. O menino correu para dentro da casa.
_ Ora mulher! De novo impricando com o menino... Deve de sê um daqueles pintinho. Tem pra mais de dúzia deles por aí...O marido, que ouvira a conversa, veio socorrer o filho.
Um dia, depois de tratar as galinhas, Dona Iolanda escutou uma calorosa discussão na cozinha e correu ver o que era. Caio e Rafael estavam aos berros.
_ Rafaél, Caio? O que houve? Caio ficou pálido e Rafael disse:
_ Mãe. Fui no rastro do Caio pra ver o tal animal e olha o que ele fez. Rafael estava com a roupa toda molhada de leite.
_ Nossa Senhora! Que você fez menino? Por que derramou leite no seu irmão? Caio correu para o quarto.
À noite quando a mãe contou ao marido o acontecido, Rafael disse:
_ Pai. Eu voltei lá. Procurei por tudo quanto é canto e nada do animal. Caio tá inventando isso. Deve tá doente das idéias.
_ Ora mulher. Ocê tanto azucrino o menino que ele deve de tá com um parafuso a menos. Amanhã mesmo vamos tirá isso a limpo.
No dia seguinte Seu Chico não saiu para o trabalho como de costume. Dessa vez ficou escondido com os dois filhos no curral. Dona Iolanda tirou o leite e ficou de tocaia também. Caio saiu, olhou para todos os lados e, jarra na mão, rumou ao jequitibá. Alguns minutos depois:
_ Bichinho! Bichinho! Pode sair agora. Sou eu, Caio: Venha tomar seu leitinho pra ficar fortinho.
_ Já viu argum animal? Dona Iolanda estava impaciente.
_ Quéta mulher! Quér que ele veja a gente?
Do outro lado do jequitibá, de uma toca, saiu o amiguinho de Caio.
Seu Chico ficou branco feito cêra, a voz sumiu na garganta. Com as duas mãos tapou a boca de Dona Iolanda que engoliu um grito de susto.
Uma enorme cascavel ,toda avermelhada, olhos brilhantes...
_ Tá gostoso o leite? Nossa! Como você cresceu! Viu? Eu não disse que se você bebesse o leite ia ficar grande e forte? A cobra passeava pela bacia devorando o leite, sem se preocupar com a presença de Caio. O guizo estava com 7 anéis e o seu comprimento éra de dar arrepios.
_ Chico de Deus! Mata ela! Mata ela! Ela vai matar o nosso menino!
Novamente Seu Chico tapou a boca de Dona Iolanda que estava prestes a ter um enfarte ali mesmo. Caio, numa atitude carinhosa, passou a mão pela cabeça do animal dizendo:
_ Bom menino, tomou tudinho. Agora vá pra sua casinha. Amanhã trago mais.
Dona Iolanda havia desmaiado e os três olhavam a cena com os olhos arregalados. A cobra voltou à toca e desapareceu. Caio pegou a jarra vazia e retornou. No caminho de volta:
_ Pai, mãe, manos... O que vocês fazem aqui?
_ Pai do céu! Brigado meu Pai! Seu Chico abraçou o menino com força.
Uma vez em casa começaram uma difícil conversa.
_ Vocês viram? Mãe? A senhora viu? Não é um cachorro! Caio estava com medo.
_ Eu vi, meu filho! Disse Dona Iolanda.
_Posso ficar com ele mãe?
_ Filho! Não sei o que dizer... Chico, me acode...
- Tá tudo bem Caio. Não se preocupe. Se arrume, ocê vai passiá hoje. Mulher, vá se arrumá. Não disse que ia levá o Caio no canil do Seu Joaquim hoje?
Iolanda, ainda assustada, ficou muda, sem saber direito o que Chico pretendia.
_ Se avie mulher. Pense! Rafaé, Bentinho! Andem, vão ficá de tocaia no jequitibá. Não quero que o bicho fuja!
_ Papai. O que vai fazer com essa caixa de pau? Seu Chico pregava uma caixa de madeira e Caio estava curioso.
- Devorvê o sossego a nossa casa.
_ Pra quê os furos na tampa?
_ É que não sô mal agradecido...
_ Mãe. O pai tá variando...
_ Venha Caio. Temos que ír. Dona Iolanda pegou o menino pela mão.
Algum tempo depois, chegaram ao canil do Sr Joaquim.
_ Dona Iolanda! A senhora por aqui! Não me diga que finalmente Caio a convenceu a comprar um cãozinho?
_ Sim. Quero ver um cão, ou melhor, dois, ou três... Quantos tiver aí...Seu Joaquim arregalou os olhos, surpreso e perguntou:
_ O que fez a senhora mudar de idéia? Dona Iolanda abraçou o filho e disse:
_ Caio me convenceu. Vai ser político esse danado! Tem uma lábia...
_Mas mãe...eu não disse nada! Nem lembrava mais do tal cãozinho...
_ Ah! Lembrava sim. Agora não vai tirar o corpo fora. Queria um cão, pois vai levar logo cinco. Ande menino, vá escolher! E lá foi o menino entre as gaiolas escolher os cinco cãezinhos.
_Deixa eu escolher logo. Vai que ela muda de idéia!


Rajada†

-Não preciso mais de sonhos. Passo bem sem eles. Cansei de ser bonzinho. Foda-se o mundo todo. Ninguém quer saber se estou bem ou mal. Ninguém gosta de ninguém. Hipócritas! Vou livrar o meu mundo de vocês. Serei só eu, eu me basto.
Terceira dimensão, quarta, quinto dos infernos, seja lá onde que for, em breve estarei aí.
O veneno eu deixo para os ratos. A faca para os masoquistas. A altura de um décimo andar para os ricos, corja, que só sabe pular de prédios ou dar tiros no ouvido. Roleta Russa? Não sou criança.
Estou cheio de viver, mas com garra. A vida tem sido madrasta, que morra, safada. Deixe-me morrer com honra. Quero me sentir bem agonizando junto aos meus ideais.

Vestiu a sua farda de policial e dirigiu seu carro até a favela da Rocinha. Assim que chegou, desligou o motor, jogou sua arma no chão e seguiu a pé. 




Quem matou o elemento?†

Cinco da matina, a favela parecia morta, nem os olheiros do tráfico estavam acordados, deviam ter mamado todas durante a noite.
Um elemento descia do morro, andar manso, jeitão de quem vai aprontar, viu uma morena de olhar 171 e disse:

-Aí...Ô vadia, chega junto.
-Olá amor, o que tu manda?
-Táis afim dumas paradas aí?
-Tô dura meu.
-Pô! Tá me estranhando o piranha? Mina gostosa neguinho banca.
-Ai, que amor...
-Podes crer...
-Pa, pa, pa...Três tiros secos, um bem no meio do peito e o sujeito caiu mortinho no chão.
O crime prescreveu e nunca acharam o assassino. Quem matou o sujeito?
-Sei lá meu.
-Fui eu xará. Mexeu com mulé minha eu coloco sete palmos de terra em cima. Ou não me chamo Detetive Escopeta.
-Ah...Conta outra. Tu aposentou cara, não mata nem uma mosca!
-Sério...

-Escopa! A pia tá cheia de louça...Preciso lembrar você de suas obrigações?
A mulher olhava os amigos com cara de pouca conversa.
-É...Bons tempos aqueles. -"Já vou benzinho, já vou..."




Meta†

-A senhora reconhece algum deles? O detetive apontou através do vidro: Seis homens enfileirados. Rosa estava segurando o choro enquanto olhava atentamente, um a um.
-O terceiro.
-Tem certeza?
-Olha, certeza, certeza, eu não tenho. Sofro de miopia, não vejo bem de longe. Eu tenho certeza que os outros não são, a pele era morena como a do terceiro.
-Hum...O policial coçou a cabeça e disse ao colega: Traga o rapaz aqui, o terceiro, vede os olhos dele para que não veja.
-Não. Não precisa. Deixe ele me ver. Quero que saiba que fui eu. Não me importo. Trouxeram o rapaz e a moça apoiou o braço na parede, estava enojada, levou a mão à boca.
-Está se sentindo bem? Quer um copo d”água”? O policial percebeu sua súbita palidez.
-Não. Não precisa, obrigado. Abaixou o rosto e vomitou no canto da sala.
-Por favor Dona Rosa, diga logo e retiro o meliante, assim se sentirá melhor. Reconhece o pedófilo que estuprou sua filha?
-Não.
-Não?
-Não é ele. Tenho certeza. Saiu em direção à porta e quando passou ao lado do rapaz, parou e olhou bem nos seus olhos. O rapaz virou de costas, não queria que ela mudasse de ideia. Dona Rosa, como se tivesse planejado, o abraçou por trás enquanto, ao mesmo tempo e sem piedade, enfiou fundo uma faca afiada em seu coração. As mãos juntas, firmes, não desprendiam, por nada. O sangue jorrava junto aos gritos do bandido, os policiais tentando tirá-la e a lâmina fundo, contraindo toda musculatura do corpo que estrebuchava.
-Tira ela...solta! Num tranco tiraram Dona Rosa e a faca ficou lá, cravada fundo enquanto o rapaz agonizava no chão da sala. Dona Rosa segurou o peito e num segundo viu tudo escurecer. Enfartou ali mesmo. Enquanto faziam os primeiros socorros, a mulher abriu os olhos e sussurrou:
-Perda de tempo, eu vou morrer.
-Não. A senhora tem que reagir, fique calma. Teve uma parada cardíaca e o médico de plantão teve que usar o desfibrilador, por sorte tinham comprado uma na semana passada depois que um policial falecera por demora no procedimento.
--Ela voltou...A senhora vai ficar bem, vamos levá-la ao hospital.
-Não...deixe-me morrer. O pulso estava fraco. O policial disse:
-Dona Rosa, o pedófilo está vivo, não morreu. Ele escapou e a senhora também vai viver. Ela abriu os olhos a procura do infeliz e começou a reagir.
-Pronto. Apliquei um sedativo, agora a levem ao hospital. Por que disse que o cara estava vivo? Ele já agonizou faz tempo.
-Ela reagiu não foi? 




Infância†

-Entrem.
-Boa tarde doutora. Essa é Elisa, a menina de que falei ontem.
-Sim, sim, mas sentem. Olá Elisa, como vai?
-Oi Tia...
-Luiza, Tia Luiza. Completou a médica com um sorriso nos lábios. A sua Tia Ana me contou que você é a menina mais esperta do orfanato. E tem apenas cinco anos, é verdade?
-A Tia disse isso? Os olhos da menina brilharam. Eu sou sim. Minha mamãe sempre dizia isso.
-Como se chama sua mãe?
-Não me lembro, não senhora. Só lembro que ela gostava muito de mim. Um dia me deu uma boneca Xuxa enorme.
-Verdade? Então sua mãe devia gostar muito de você.
-Ah, gostava sim. Ela sempre disse que eu era a mocinha da casa.
-Você ajudava sua mãe nas tarefas?
-Claro. Eu cuidava da minha irmãzinha para a mamãe trabalhar.
-E sua irmãzinha dava muito trabalho?
-Não, era boazinha. Só quando tava doente. Aí ficava chorando no berço.
-Ela não dizia o que doía? A menina deu uma risada que ecoou pela sala.
-Ela não falava Tia, era bebe. Não andava, não falava e fazia coco na fralda.
-Ah, bom. E você trocava a fralda dela?
-Claro que sim. Eu aprendi com minha mamãe.
-Onde está sua irmãzinha agora?
-No céu. Ela morreu de doença.
-Que tipo de doença?
-Ninguém sabe Tia. Ela tava gripada. Minha mamãe deixou remedinho pra eu dar pra ela. Eu dei, mas não adiantou. Ela dormiu e não acordou mais.
-Assim? Morreu dormindo? Ninguém percebeu?
-Claro que percebi Tia, não sou boba. Ela chorou e eu dei remédio pra passar a dor. Mas não adiantou, ela chorou uma porção de vezes e eu dava o remédio pra ela parar de chorar, mas ela dormiu e não acordou mais. Depois aquela droga de juíza me trouxe pra cá. Acho que pensou que eu não cuidei dela.
-E você cuidou?
-Claro. Mas o remédio acabou...




Abate†

Aquele corredor imundo fedia bosta. Uma fila imensa de companheiras, angustiadas pelo que viria.
Os homens costumam dizer que somos seres irracionais. Mas eu estava consciente do que acontecia. Sabia onde ia dar o fim daquela agonia: No carrasco e seu facão. Ali naquele matadouro ainda usavam os métodos antigos, uma tortura. Eu era tão jovem, só cruzara uma vez. Ele era o Touro mais belo da fazenda, o mais viril. Lembro que foi a foda mais esperada, eu sempre o comia com os olhos. Seu pau esteve dentro de mim por horas. Tivemos dois bezerros, algum tempo depois, arrancados de meus braços.
Agora ali, com meu pelo ouriçado pelos bernes, medrosa, pois havia chegado minha hora.
Empaquei, não ia desistir, iriam ter trabalho comigo. Um dos ajudantes, percebendo minha manha, enfiou um cabo elétrico no meu cu. Quase morri de dor. Não tinha mais nada a fazer, era enfrentar meu destino.
Quando finalmente minha companheira de frente chegou ao nosso algoz, uma facada fulminante atravessou seu pescoço e de seus olhos saíram duas lágrimas, sem mugido, como se estivesse entregue, morta em vida. O sangue jorrava e era aparado por um balde de metal. Nem o sangue nos pertencia.
Assisti a carnificina como se dopada estivesse. Chegara a minha vez. Teria voz para mugir? Meus músculos contorcidos tremiam, choravam...
-Não! Acordei molhada de suor e em prantos. Maldito! Maldito! Sabia que eu levava sempre tudo ao pé da letra. Desde a infância fui uma pessoa sugestionável. Se me jogavam praga pegava, se me diziam que pedra era mole eu acreditava. Sempre tonta. E o bilhete continuava lá, colado ao espelho, como uma vingança fria. Paulo, meu noivo, descobrira que eu o traia e terminou o namoro de dois anos, idiota. E para me castigar colou uma pequena placa de alumínio escrita em vermelho no espelho do toucador:
- SUA VACA, ESTÁ SE PREPARANDO PARA O ABATE?



Obsessão†

Teus olhos são lindos!
-Por favor...
-Quieta...Deixe-me contemplar a luz que irradia deles. Azuis como um céu, brilhantes como a lua. Teus olhos me fascinam, me dominam, me atraem como ímãs. Quanto te vi pela primeira vez já sabia: seriam meus. Quero ser teu guia, teu cão, teu amor. Olhe para mim. Veja meu rosto. É tua imagem perpétua refletida nele.
Aproximou-se e beijou os olhos da moça num ritual mágico.
-Por favor...
-Quieta.
Imóvel, amarrada à cadeira,não pode se defender quando as duas agulhas penetraram em sua retina... 




Matador de Aluguel†

Seu corpo estirado no tapete, marcas de sangue por todo lado. Como fora difícil! Perdi a conta dos golpes, cinco ou seis, talvez. Minha vó já dizia: Praga ruim não morre fácil. O fato é que fez por merecer. Tirou-me de minha casa. Por ti foram noites em um hotel frio e sujo até que a burocracia me fizesse retornar. Pensei que as vias legais te afastariam de mim, enganei-me. Acabei por ter que fazer o serviço sujo. Vi-me sem dinheiro e com o motivo de meus tormentos novamente a minha porta. Ah, mas com certeza por essa você não esperava. Uma mulher frágil e bobona como eu jamais cometeria um assassinato dessa natureza. Pensou assim e se ferrou, matei-te. Com requintes de crueldade e não sabe com que satisfação olho teu corpo agora! Nunca mais terei tua presença asquerosa assombrando meus dias.
Ninguém me faz de boba!
-Alô. É da DDZUM?
-Sim. Quem fala?
-Aqui é da residência 34 da Rua das Flores, Bairro Indaiatuba. Vocês estiveram aqui ontem.
-Claro. A senhora ficou satisfeita com o serviço?
-Uma ova. Quero meu dinheiro de volta. E por favor, mande alguém buscar a ratazana, acabei de matar. 




Minha Vó contava†

Que toda noite ela ouvia, depois de deitar, barulhos no andar de baixo.
O piso da casa era de madeira antiga, rangia e parecia um arrastar de correntes, que ia ficando cada vez mais alto.
Ela dormia no segundo andar e ouvia passos subindo a escada. Tremia e não conseguia chamar ninguém, paralisada.
Uma noite ela escutou o barulho chegando à porta do seu quarto e a fechadura girou.
Gritou e saltou da cama.Rapidamente um barulho na janela ao lado chamou sua atenção.Ela se aproximou e abriu-a de supetão.Viu lá embaixo um vulto a observando. Homem de terno preto e rosto pálido, parecia sair de um enterro, como se fosse o próprio defunto.Ela gritou e ele sorriu, um sorriso macabro...Ela desmaiou.
Quando acordou estava coberta por um terno preto, deitada no chão do quarto.
Perguntou a sua mãe mas nunca ninguém explicou a origem do terno.

Ouvi essa história minha infância toda.Dava arrepios... 



Visão de Infância†

Cenário...uma casa de campo escondida depois da curva.

Uma menina e seus pais...Uma visita para avaliar se a casa estava em bom estado, pois a família queria alugar...

___Mamãe...Por que tem essa corda pendurada na porta do quarto?
A Mãe na cozinha responde:
___Sei lá menina..Venha ver o quintal aqui da janela, é lindo!
___Mas mamãe...Tem uma cabeça na corda e tá sangrando...
___Que disse?
A Mãe saíra pela porta dos fundos.
___Mamãe...Ele ta sorrindo pra mim...
A menina saiu correndo e foi procurar pelos outros.
___Que foi Ana? Está branca, parece que viu um fantasma...Disse o pai.
___Tem um enforcado na porta do quarto lá dentro.
___Não diga besteiras...É feio mentir!
Seu pai estava bravo.
___Eu não tô mentindo, juro...

De repente a mãe, que tinha ido até o quarto buscar a menina, sai branca feito cêra...
___Que foi mulher?
___Nada...Vamos embora, rápido...
___Mas não vimos o pomar ainda...O pai estava intrigado.
___Vamos embora, ande...puxou a menina pela mão e entrou no carro.
O Pai, apreensivo,arrancou e virou a curva rapidamente!

De longe dava para ver, na janela do quarto, uma cabeça enroscada na corda..Sangrava e o rosto se contorcia...




O Preço†

Roberto era um jovem estudante de engenharia que via seu sonho ir por água abaixo. Desempregado, ia trancar a faculdade pois não tinha mais como pagar as mensalidades. Era órfão desde pequeno e morava num pequeno quarto-sala nos fundos de uma residência. Agora estava prestes a ser despejado por falta de pagamento do aluguel.Estava muito desanimado!
____Droga de vida!Parece que pra mim nada dá certo! Reclamou para Jorge,um colega do antigo trabalho.
____Calma!Vai aparecer alguma coisa pra você!
____Como posso Ter calma?Vou ser despejado, não tenho onde comer e nem o que comer!To perdido!Dava tudo por uma luz!
____Você tem saido a procura todos os dias, vai surgir algo!Jorge tentava consolá-lo.
Quando chegaram em frente à residencia onde morava Roberto, viram as malas no portão.
____Que significa isso? Roberto estava apavorado. Seus pertences estavam na calçada!Tinha sido despejado!
____Nossa!Que desgraça amigo!E agora?Venha, vamos sair daqui. Jorge juntou as malas e levou o amigo pra sua casa.
____Por hoje você dorme aqui.Depois vemos!
____Não amigo!Eu sei que sua mulher não vai com a minha cara.Guarde minhas coisas, eu me ajeito.
____Nada disso! Dorme aqui hoje. Amanha você pensa no que vai fazer.
____O que fazer?Eu tenho escolha?Só se eu vender minha alma pro diabo!!!

____Não diz besteira!Tudo melhora amanhã.
____Duvida?Eu venderia minha alma sim! Bastava o diabo devolver meu emprego!Jorge não disse mais nada.O amigo estava nervoso, isso passaria com um boa noite de sono.
Quando Roberto deitou na cama de casal do quarto de visitas da casa de Jorge teve a ligeira impressão de que estava sendo observado.Mas tomou um gole do conhaque que o amigo lhe servira e caiu num sono profundo. Estava muito cansado!
Sonhou que um homem entrava no quarto e sentava na beira da cama.
___“Quem é vc?”
___” Vc me chamou! Sou o Diabo”. O homem estava pálido e realmente parecia com o “coisa ruim”.
___”Ora!Isso é um sonho! Que pena!” Roberto sabia que dormia.
___”Isso não é um sonho. Vc vai recuperar teu emprego. Vai recuperar tua casa. Vai Ter tdo que deseja! Aproveite enquanto pode! Um dia eu venho cobrar!
Roberto riu muito e acordou suado, tinha uma janela aberta e ele foi até la pra respirar melhor. Dava pra rua e na esquina ele viu um homem parado perto do poste, olhando pra ele.
___Eu conheço esse cara! Já vi ele, mas onde???Céus!É o homem do sonho!
Ele olhou novamente e esfregou os olhos. O homem tinha sumido.
Se passaram dez anos. Roberto recuperou seu trabalho no dia seguinte ao sonho. Ganhou na loteria uma semana depois. Conheceu uma linda mulher e se casou. Hoje era um rico empresário do ramo imobiliário! Tinha sete casas, dois filhos, uma amante, um mercedes na garagem. Era muito feliz!
Um dia quando voltou do trabalho decidiu assitir Tv pra esperar o sono. Sua esposa tinha viajado com seus filhos e ele tinha brigado com a amante. Era um filme de terror e ele cochilava no sofá.De repente sentiu que era observado.Olhou pro lado e quase teve um enfarte! No sofá da sua esquerda estava sentado um homem de preto.Era o mesmo homem do seu sonho a dez anos.Ele jamais esqueceu desse rosto tenebroso!
____ARRE! SAI DE RETO SATANAZ!!!
____Lembra de mim então?hehehehehe
Roberto levantou e saiu em disparada rumo a porta da frente.Quando abriu deu de cara com o mesmo homem do lado de fora!
____Não adianta tentar fugir. Vim te buscar!
___Tá maluco? Buscar a mim?
___Esqueceu do nosso acordo?
___Acordo? Eu não fiz acordo nenhum com vc! Roberto suava em bicas. Chorava agora desesperado!

___Ora, ora...agora chora? Eu não dei tudo que vc queria? Agora tem que me pagar!
___Diga seu preço..eu sou rico agora! Pago o que quizer!
___Dinheiro???AHAHAHAH...pra mim não vale nada!Eu quero sua Alma!
___Não seja louco!Eu tenho familia! Filhos! Não posso ir!
___Mas vc não tinha nada! Quem te deu isso todo fui eu! Não pode fugir de me pagar...vou te levar!
Roberto estava desesperado! Chorava como uma criança!Saiu pra fora de casa empurrando todo que via pela frente!
Correu, correu, correu....entrou na avenida e pensou que era ali o seu fim, embaixo de algum carro!
Os carros passavam a toda velocidade e ele corria entre eles!De repente uma Carreta enorme vindo em sua direção. Rapidamente ele se jogou por entre os pneus. Não viu mais nada! Tudo ficou escuro! Aos poucos foi ouvindo vozes que vinham de longe:
___Coitada! Como ela está?
___Melhorando! Aos poucos vai melhorando! Ela vai ficar boa!
Roberto nem acreditava! Tinha sobrevivido! Deus! Como pode??? Eu vi o Caminhão! Ninguém escaparia dele...!!!???
Lentamente foi erguendo a mão e apalpando sua barriga, seu braço, seu corpo..queria ter certeza de que estava tudo bem. Estranho! Tinha algo estranho! Devia estar muito machucado pois sua pele estava rígida, diferente...Abriu os olhos e uma penumbra começou a se formar. A luz ia voltando. Roberto viu a enfermeira e um homem de branco, devia ser o médico. Mas eles abanavam uma mulher no sofá ao lado.Ela devia estar desmaiada.
___Tá acordando! Disse a enfermeira.
___Onde estou? Disse a mulher.
___Calma minha senhora. A senhora está num frigorífico.Ficou nervosa quando eu ia abater a leitoa que veio comprar.Nunca viu um animal ser morto?
___Agora lembrei! O senhor ia matar a leitoa na minha frente. Ora que falta de respeito. Eu não quero ver isso. Pensei que aqui vcs vendessem o animal já morto. Se soubesse que iam matar na minha frente nem tinha vindo!
___Calma minha senhora. O bicho tá vivo ainda. Olhe!E apontaram na minha direção! Céus! Eu tinha pelos! Eu era um porco...Valha-me satanaz! O homem olhava pra mim e agora eu via o facão em sua mão.
___A senhora não precisa ver. Saia e qdo eu terminar eu lhe chamo. A mulher saiu e eu desmaiei...não vi mais nada!



Indigente†

O corpo estendido na maca era de mulher. Coberto de carne dilacerada, o peito aberto como se tivesse levado dezenas de facadas. Um corpo nu, mais nada. Morto, abusado, seco de sangue e sujo de gozo. Estuprada. Uma mulher que há pouco respirava. Há pouco sorria, chorava, vivia, cantava...Fragilidade e frieza própria de quem morre. Morta, nua, intocável, finalizada. Será que foi amada? Ou morreu só? Teria uma história de vida ou a morte seria sua história? Ninguém sabe. Ninguém se importa. Ninguém lhe daria rosas no túmulo.
Era um cheiro de éter insuportável!
-Merda! Meu pai bem que dizia: Seja dentista! E eu optei por médico legista. -Desculpe moça. Não fossem esses furos até que dava.
Guardou o membro, fechou o ziper da calça e empurrou a gaveta. Ela merecia um epílogo.



O Baú†

-Estão dizendo que a casa é assombrada...
-Não acreditou numa besteira dessas, acreditou?
Meu noivo havia pegado a chave na imobiliária, precisávamos alugar uma casa urgente. O casamento era no próximo mês e ainda não tínhamos onde morar.
-Por que o cara da imobiliária não veio com a gente?
-Ora meu amor. Ele confiou na gente, tinha outros compromissos, só isso.
Abrimos à porta da frente e ele entrou para me passar confiança.
-Venha Ana Elisa. Não há nada aqui, olhe.
Entrei e em alguns minutos esqueci totalmente dos rumores de assombração.
-A casa é linda! Olhe,  uma lareira.
-Já pensou a gente namorando ao pé da lareira no inverno? Marcos me olhou com o olhar carregado de desejo.
Em dois dias fechamos o contrato e começamos a mobiliar.
-Amor. Amanhã não poderei vir. É final de mês, trabalho até tarde. Se quisermos nossa lua de mel na praia tenho que deixar tudo certo na empresa.
No dia seguinte, bem cedo, estacionei na garagem da nova casa. Precisava acertar os últimos arranjos, o pessoal da loja ia entregar nosso jogo de quarto, queria escolher as melhores roupas de cama, afinal íamos estrear uma vida a dois ali.
Foi quando ouvi uma voz me chamando. Parecia minha mãe.
-Ana Elisa. Suba aqui, por favor.
-Mãe? Minha mãe ali? Como ela tinha entrado? A chave estava comigo. Minha mãe não sabia que tínhamos alugado a casa. Será que Marcos havia contado e esquecido de comentar?
 -Aqui em cima. Depressa.  Socorro!
Subi as escadas correndo e percebi que a voz vinha do sótão.
-Mãe... Está aí em cima? Subi a escada estreita e abri a pequena porta que dava acesso ao topo da casa.
-Aqui...
-Onde? Onde está você? O sótão estava vazio e só havia um baú num cantinho, meio escondido.
-Aqui. No baú. Venha rápido.
Eu senti um calafrio, mas não tive dúvidas, era minha mãe. Corri até o baú e o abri.
Era enorme e estava cheio de bonecas de pano.
-Mãe...? Uma das bonecas chamou minha atenção. Seu vestido era lilás e seu rosto não era estranho...
Peguei a boneca e fiquei admirando. Tive a nítida impressão que a boneca sorrira.
-Ora. É só uma boneca. Joguei-a para dentro do baú e quando ia fechar a tampa senti dois braços fortes me empurrando para dentro da caixa. Foi tudo muito rápido e desmaiei.
O som vinha de muito longe. Parecia a voz de Marcos. Tinha mais alguém com ele.
-Fica tranqüilo meu filho. Ela vai aparecer.
-Dois dias Dona Luiza. Dois dias sem dar notícia.
Era a voz da minha mãe. Estava escuro. Parecia que eu estava em um lugar trancado, sem luz, sem ar. Tentei gritar, mas a voz saiu fraca.
-Marcos! Estou aqui. Ajude-me! Não conseguia identificar o lugar onde estava. A voz do rapaz parecia se distanciar. Tinha que reunir todas as minhas forças.
 –SOCORRO! Marcos! SOCORRO!
Foram gritos alucinados. Perdi a conta de quantas vezes gritei por socorro.  Foi quando levei um susto: O telhado se abriu e um rosto enorme apareceu. Quase enfartei de susto.  Parecia um gigante... Minha voz sumiu na garganta. Fiquei paralisada. Era Marcos e minha mãe.
-Ora Dona Luiza. Aqui só tem bonecas de pano. Eu não disse que era só sua imaginação? Saíram e desmaiei novamente.



Corpo fechado† ·

Já aos dez anos de idade conhecera a dor da perda. Seu irmão de cinco anos agonizava com um câncer no estômago.
_Conta uma histolinha?
_Conto. Era uma vez uma menina que morava... Amauri? Ele fechou os olhos e tombou a cabeça para o lado.
Foi um choro interminável da mãe, do pai e da menina, que aprendia da pior forma, que a vida podia ser cruel. Seu irmão partira.
Aos doze anos recebia um telegrama no portão e, curiosa, abriu para ler o conteúdo, mesmo sabendo ser para sua mãe.
Era sua vó dessa vez. Falecia vítima de um infarto.
Dois anos depois o tio, câncer no cérebro; sua tia, coração; seu melhor amigo, acidente de carro, seu professor de educação física; sua madrinha...
Aos dezoito anos foi a vez de seu pai, num acidente na máquina de moer cana; depois a irmã, num parto difícil e sua sobrinha que mal chegou a nascer, se foi...
Casou-se, enviuvou; casou novamente, enviuvou outra vez...
Estava cansada de morte, tentara o suicídio duas vezes e nada.
Num vôo Rio/São Paulo, o avião caiu e a única sobrevivente...Ela.
Os anos se passavam e ela não parecia envelhecer.
_Era solitária, não tinha coragem de se casar novamente e tampouco fazia amigos, não queria perdê-los depois.
Até que um dia, num beco próximo ao cemitério, ouviu uma voz quando passava, depois de um dia exaustivo de trabalho:
-Dona Ana...
_Quem está aí?
_Eu, dona Ana...Seu mestre. Um homem horrível com um par de chifres e um rabo enorme. O engraçado é que Ana não sentia medo.
_Eu conheço você? Eu estou me lembrando...
_Sim, dona Morte, sou eu, Lúcifer. Pronta para voltar?
_Eu estou me lembrando de você. Mas como?
_Ora. Você fugiu do inferno lembra? Achou o trabalho muito pesado e fugiu.
_Trabalho? Sim, agora me lembro...Eu guiava as pessoas no portal...
_Sim. Mas não se preocupe, os mortos não ficaram desamparados com a sua ausência. Eles estiveram com você o tempo todo... 



†††Cadela de Raça



Sou fogo

Dou jogo
Cadela de raça!

Me quer

Teu gozo
Cheiro de cachaça!

Decida

Me quer lânguida
Ou lambida?

Devassa

Ou de virgem
Andar e graça?



†††Culpa




Cheguei cansada.
Colhi as flores
Murchas, coitadas,
Descoloridas, empoeiradas,
Pareciam mortas...
Reguei as flores,
Como sangue em carne viva,
Dilaceradas, de pétalas escorridas
No ralo da pia.
Não ressuscitaram.
 


Agora vão me culpar por todas as queimadas da vida.



 

††† Coma

 

Meus olhos estão fechados
Mas sinto você ao lado,
Pensando, rezando, chorando...
Alguém ao lado,
Comigo.

Meu cérebro é que te escuta,
Que acolhe a tua súplica
E não responde, inerte,
No beiral da morte,
No abismo.

Barulhos desencontrados,
Imagens e sonhos, quebrados,
Meros cacos, na inconsciência.
Os dias seguem vibrantes
E eu vegeto.

Meus olhos estão fechados
E ainda me sinto amado,
Ainda me sinto vivo.
Quero acordar,
Te ver!

Meu cérebro a tudo assiste
Mas, meu peito é que resiste
E teima em voltar,
Retomar os planos,
Viver!


††† ·Compondo-Me

 

Hoje acordei assim:
Libidinosamente minha.
Recitei-me, poetizei-me
Fiz melhor,
Me compus.
Hoje me olhei no espelho
E me apaixonei.

Pena que as paixões são breves...


††† Corujas e Vento Forte (Amo)



Amo
Nas folhas o tom do orvalho...
No outono a suave brisa...
Nos Campos, o Vento Forte,
A vida...

Amo
Na chuva o cheiro de terra...
Pássaros num mento verde.
Saciando, junto ao rio,
A sede...

Amo
Na noite, o luar sereno.
Sussurrando às estrelas.
A ansiedade do mar
Em vê-las...

Amo
Pois, de amor me visto.
Para, sob teu olhar, ficar nua...
Na tua pele, o toque...
Ser sua...


††† Dissimulada



Sou lenta.
Aprecio melhor assim
O odor das rosas,
Dos amores, de ti...

Lenta de sexo
Pois me convém,
Lentamente abusar
Do que é meu...

Vou lenta
Por teus pensamentos.
Roubo teus momentos
Que já não são teus...

Violenta e violada,
Sou tua amante e namorada
E vou lentamente em ti,
Para que, lento, me perceba...

Lenta e sorrateira te aprisiono
E tu sorri, servo e feliz,
Apaixonado e senhor
De minha devassidão...

Dissimulada, amada, safada, idolatrada...
Mas, dona do seu coração.


†††Dai-nos


A noite corria pela janela
E os anos pelos meus dedos
Enquanto milhares
Oravam à Ave Maria
Eu me prostituía
Com a cara e coragem...
E amontoava o pão de cada dia
Profana sacanagem.
Que bobagem!



††† Desalmada

 

No ar um cheiro de tinta
Como se fossem recém pintadas,
As paredes do quarto,
Me vestindo só de lençóis.
Na veste um rastro de sangue
Como se tivesse sido violentada,
Mas o semblante sereno flagra
Um misto prazer, um gozo gritante.
Brigo com meus olhos traiçoeiros
Que teimam em dormir sem te ver partir.
Arranco-os fora pra que os leve embora,
Não preciso de olhos pra sorrir.
Pra mim basta teu cheiro,
Tua fome de mim e uma certeza,
Que mesmo longe, distante esteja,
Faz tão próximos nossos instantes
Que sigo assim desalmada...
Por todos, muitos, desejada
E só por ti possuída.
Sigo com um gosto na vida:
Se morro um dia ou breve, morta esteja
Serei feliz na partida
Pois tive por ti segundos de insanidade
Que me levaram ao êxtase e a eternidade...


†††Folhas ao vento...

 

As flores estão ali,
Murchas, sem vida...
Mas estão ali,
Documentando uma história,
Uma passagem que se fechou,
Obstruída por teu medo,
Teu silêncio...
Ah...o silêncio!
Corta mais, dói mais,machuca...
E nem se ouve.
Como um gás num recinto fechado,
Matando aos poucos...
As flores estão ali,
Misturadas aos meus restos
E ainda encontram forças para chorar...


†††Fôlego

 

Deixa o ar entrar pela janela,
Meu eu tem sede do teu,
Uma rosa no travesseiro,
Beije meus olhos, ligeiro,
Deixe teu cheiro
Na lembrança de um agrado,
E depois volte,
No intervalo de uma apneia
Ou no fôlego de um gozo.

É o único tempo que te concedo longe de mim...


†††Inevitável


Não quero ir
Não quero
Não
O cortejo
O choro
As velas
A cova
A reza
A rosa
E eu



†††Inexplicável que te amo




Como explicar?

Estava ali,


Teu cheiro, teu jeito,


Inspirando noites imensuráveis


Em que meu corpo asfixiava o seu.


Era um mundinho a parte,


Poesia misturada a sexo,


Formas e sons desconexos,


Epilogando uma história de amor.


Eu era feliz,


Os brados dos ignorantes


Ruminavam altivos lá fora


E mesmo o contorno da aurora


Me cegava os olhos,confusos.


Dou vida, pra te ter,


Dou ar,pra te viver


Teu ser me basta, e como!


Por alguns momentos sou feliz


E o mundo corre lá fora...




Inexplicável que te amo... 



†††Noite

 

 
Uma gota de sangue por favor
Um Vampiro, um Amor
Crave seus dentes em mim
Mas crave!
Não me deixe assim
Não sabe como dói!
Uma passagem medíocre pela vida
Uma trégua só para respirar
Quero morrer, se morrer
Me trouxer vida!
Quero amar!


†††Pele

 

Amor
Acordei com gosto de sexo,
Resto de nossos instantes,
Nossa loucura insana
Em noite chuvosa,
Nebulosa,
Apaixonante...

Veio
Um medo de ser pesadelo
E perdida num total desvelo,
Não te vi mais ao meu lado,
Um medíocre casal apaixonado,
Infartado,
Atordoado,
De tanto amar...

Meu amor
Quero, antes que o dia me tome,
Dizer de tudo, pronuciar teu nome
E viver mais e mais, do teu lado,
Pra me sentir viva, sentir amada
E alucinada,
Alimentada,
Dormir de novo...


†††Pernas, bocas, umbigo...


o amor carece de paixão
para vencer a dor
as incertezas
a solidão...

porque amor por si só
é de amigo
amor do bom, da paz
querido...

amor de pele é perigo
amor de frio
amor de fogo
pernas, bocas, umbigo...



†††Poeta

 

Ser poeta
É enxergar um corpo fétido
E ver rosas que ninguem vê.
Ver escorrer o sangue da fronte
E lamber o lábio de prazer.
Ser poeta
É sentir falta da criatura,
Um rosto desfigurado de candura
Que só os poetas sabem ver.
Ser poeta
É sentar aqui no quarto,
Gostar do breu, do tom ruim.
Ser poeta
É sonhar com os lábios teus
E cobiçar tudo de seu para mim.
Ser poeta
É tentar fazer verso
Quando só se vê cadáveres,
Quando só se vive por viver.
Ser poeta é gostar de você
A ponto de escrever algo assim.
Ser poeta
Até que não é tão ruim...



†††Podre

 

Será preciso morrer
para contar os vermes?
Um a um, todos ali,
impermeabilizando
os cacos do corte
e o único som
é do pulsar do tétano;
e a única dor
já se foi...


†††Subscrevo, Poesia

 

Eu sou o mar,
O espelho das estrelas
Refletindo um céu azul num verde mar.

Eu sou o ar,
O respiro do universo,
Mero reflexo, tão diverso desse ar.

Sou melodia,
O encanto das sereias
E na areia enfeitiço noite e dia.

Nasci e fui criado
De versos brancos ou metrificados,
Tão discreto e violento, vou calado.


No abstrato, sou humano
Como retrato instantâneo,
Fora do contemporâneo, sou insano.


Eu sou amor,
Já fui paixão, ódio, furor,
Por vezes, ilusão e dor.


Sou amizade,
Fiel no amor e na necessidade,
Num futuro próximo, talvez, saudade.


Sou ventania,
Um marginal, um servo, um guia,
Brisa leve ou vendaval...

E subscrevo
Poesia.


††† A Noiva da Morte



Olhe para mim
Eu espreito e você vegeta
Que pressa eu tenho em te ter

Vim te ver
Buscar teu ar
Arrancar teu ultimo suspiro
Te levar

Olhe para mim
Imponente, sou a mais bela das criaturas
Completa
Estou te olhando
Cobiçando tua historia
Vais ser meu

Saia da luz
Eu sou breu
Olhe para mim
Te quero mais que todas as paixões

Me julgam mal

 Não sou horrenda
Sou a tua guia no portal

Vem ser meu.
Sou tua sorte
Tua prometida
Tua noiva
Tua morte!




†††Vela Acesa

Da soleira da porta avisto
A chama alta, farta e esplendorosa
Da vela num pires de porcelana.
Aspiro o odor cálido que emana
E vejo reacender belas lembranças...

...Crianças cantam em volta da mesa:
“Parabéns pra você...”e eu tento
Apagar a chama que logo ressurge,
Na impaciência, pois meu tempo urge,
Escondo a vela num pote de grude...

... Noite estrelada vai criando um “clima”.
A mesa na penumbra e o garçom, discreto,
Acende a vela e teu olhar inflama.
Como despedida da vida mundana,
Toma minhas mãos e diz que me ama.

Da soleira da porta avisto
A chama alta, farta e angustiante...
Uma lágrima de cera, no pires, desce;
Um odor fúnebre emana, entristece
E feias lembranças reaparecem...

...Quando chorei por meu irmão amado;
...Quando roguei para que Deus me acordasse
Do “pesadelo”que levou meu amigo,
Meu herói, meu cais, meu pai, meu abrigo...
E a vela lá, queimando comigo...